Os Tijolos - Família Atitude

Moderação

1. Qualidade que consiste em evitar excessos.

2. Comedimento, compostura, prudência.

Prudência

1. Virtude que nos faz prever e evitar as faltas e os perigos e que nos leva a conhecer e praticar o que nos convém.

2. Cautela, precaução.

A novidade deste tópico precisa ser justificada – a presença de dois termos em um mesmo tijolo – até porque acontecerá mais vezes.

Não julguei ser prudente (engraçadinho) separar esses dois conceitos, pois guardam muita relação um com o outro. Até mesmo seus opostos – imprudência, que se opõe à prudência, e exagero, opondo-se a moderação – costumam ser usados constantemente como sinônimos.

Mas… Se você é chato como eu, também relutará em aceitar perfeita igualdade de significados para estas duas palavras. Os conceitos não são idênticos e, para que esta questão não seja negligenciada, pensaremos sobre ela por breves linhas.

Fica a dica. Quando desejamos demonstrar que duas coisas não são iguais, basta pensarmos em situações onde a substituição de uma pela outra não seja possível. E a melhor dessas situações ocorre quando os conceitos se mostram opostos.

Exemplo. Se os cálculos para segurar de pé a Torre de Pisa pedem mil e quinhentas toneladas de contrapeso e os engenheiros resolvem colocar quatro mil toneladas, estão, certamente, exagerando. Mas a razão dessa falta de moderação na carga do contrapeso é tão somente a prudência de evitar uma queda a qualquer custo. Trata-se de um caso onde não houve moderação havendo prudência, e aí está a prova de que não estamos lidando com conceitos idênticos.

O inverso demonstraria… o inverso. Exatamente mil e quinhentas toneladas são colocadas e a torre cai. Houve moderação, mas não houve prudência (o que custava ter colocado um pouco mais?). Conceitos, portanto, não idênticos.

Fica mais fácil percebermos a diferença se resumirmos da seguinte forma: prudência tem a ver com cautela (evita o perigo), enquanto que moderação tem a ver com parcimônia (evita o exagero).

Um exemplo alimentício e encerramos a questão. Quando você compra poucas coisas para abastecer a sua geladeira, evitando perdas desnecessárias, está agindo com moderação, com parcimônia – ou seja, evitando o exagero. Quando você prova um alimento e decide não comê-lo por suspeitar que ele possa estar estragado, está agindo com prudência, com cautela – ou seja, evitando um perigo.

Talvez essa pequena discussão linguística tenha sido desnecessária e peço desculpas se não foi de seu agrado. Mas há pessoas que podem achar interessante essa pormenorização e por isso ela está aí.

O mais curioso é que acabamos de fazer esse detalhado esclarecimento sobre as diferenças e usaremos os dois conceitos de forma intercambiável ao longo do texto. Deixo a critério de sua sensibilidade identificar quando estamos falando de ideias distintas e quando estamos falando de ideias iguais.

Acho que agora podemos começar, certo? Então vamos lá.

Em minha opinião, um dos grandes livros da humanidade se chama A Arte da Prudência, de Baltasar Gracián. Neste compêndio, o autor trata de uma grande variedade de comportamentos frente às mais diversas situações. Creio podermos concordar que, se a prudência não fosse algo muito importante, talvez não tivesse sido elegida para dar nome ao livro.

Tomemos, por exemplo, a relação da prudência com a responsabilidade – facilmente constataremos que quanto mais você é prudente, mais fácil é ter responsabilidade.

Pense comigo. Independente de quantos filhos tiver, você está decidido a ser totalmente responsável pela criação deles. Só que é bem mais fácil ser responsável por dois ou três do que por oito ou nove. Então, a prudência na hora de fazer facilita a responsabilidade na hora de prover. Nada mais lógico.

E o que dizer sobre o dinheiro? Há alguma dúvida de que se deve ter prudência no uso de seus recursos financeiros?

Analisemos a influência da moderação em nosso dia a dia.  Pense em pessoas próximas a você que cometeram ou ainda cometem excessos de qualquer natureza (alimentares, etílicos, afetivos, financeiros, automobilísticos, futebolísticos, entorpecentes, só para citar alguns). Será difícil sentir-se confortável com a imagem que essas lembranças lhe trazem.

E o caráter prático amplitudiano ataca mais uma vez, pois não há como fugir da consequência lógica dessa reflexão: se é assim que você se sente em relação aos outros, assim outros se sentirão em relação a você caso falte moderação em sua vida.

Mas… a coisa não é tão simples. Vamos a uma ressalva.

Você deve conhecer algum poupador contumaz – aquele que poupa tudo e mais um pouco. Pense comigo. Quem quer dinheiro o quer para poder gastá-lo (não conheço outra função para o dinheiro que não seja usá-lo). Se, para possuir o dinheiro com o intuito de gastá-lo em algum momento da vida, a pessoa passa a vida inteira não gastando com nada, não parece que algo está errado?

E está. Houve exagero.

A moderação é tão importante que, como é bem sabido entre as pessoas prudentes, é preciso ter moderação até para se ter moderação.

Afinal, tomando por base uma das definições para moderação – qualidade que consiste em evitar excessosnão é paradoxal que uma pessoa tenha moderação em excesso?

O mesmo nos é sugerido neste trecho dos Analectos, de Confúcio: “Chi Wen Tzu sempre pensava três vezes antes de agir. Quando o mestre ficou sabendo disso, comentou: ‘Duas vezes é suficiente.’”.

Repare neste que é um problema frequentemente observado: o excesso de prudência pode levar as pessoas a não aproveitarem suas oportunidades. Como já discutimos anteriormente, a oportunidade consiste menos nas coisas que lhe acontecem e mais no que você faz com elas (“mais dentro que fora”). Ser excessivamente prudente é não fazer nada, e – exceto quando a situação exige – não fazer nada é não aproveitar as oportunidades.

Essa reflexão direciona nossa percepção para reconhecer que existe algo por trás de toda manifestação de prudência: o medo.

As pessoas veem o medo com um pouco de… medo. Elas condenam esse sentimento, atribuindo a ele uma atmosfera de vergonha e de covardia.

Eu não me importo com nada disso. Aliás, sinto medo de um monte de coisas. E como um bom otimista que sou (no conceito amplitudiano anteriormente exposto), preciso ver as coisas boas relacionadas ao medo.

O medo é bom. Só de ele ser um excelente incentivo à moderação, já mostra que é de grande auxílio. O medo, na verdade, é um mecanismo de proteção. Veja como esta definição de medo mais parece estar falando de um amigo que de um inimigo: sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça.

Dois são os problemas que podem surgir daqui. O primeiro é quando o perigo é mais constantemente imaginário do que real. O outro é quando o perigo é real, mas há exagero no sentimento, transformando o medo em pânico, desespero, paranoia, ou seja, todos os tipos de irracionalidade.

Obs.: Deus nos livre da concomitância: quando há exagero e, ao mesmo tempo, o perigo é imaginário…

Se você concorda que, para se combater alguma coisa, é preciso conhecê-la, fica mais claro perceber por que temos mais medo daquilo que não conhecemos direito. Por isso é mais difícil combater os medos cujas origens não conhecemos.

Uma das coisas que aprendi com o medo é que ele gera dois tipos de comportamento, ambos baseados na transferência da responsabilidade – uma no tempo, outra no espaço.

Obs.: Imaginando o que pode ter passado pela sua cabeça ao ler o parágrafo acima, acabo de conceber uma definição extraoficial para a palavra teoria: proposição doida cujo sentido você não compreende até que venham os exemplos

A transferência de responsabilidade no tempo ocorre quando a pessoa está sempre deixando para depois determinadas ações, decisões ou providências sem ter uma razão estratégica lógica e clara para tal procrastinação. Culpa do medo.

A transferência no espaço é quando ela, em vez de agir ou decidir, prefere que a ação ou a decisão seja realizada por outra pessoa. Culpa do medo de novo.

Outro exemplo de um possível aprendizado: você já percebeu que as pessoas parecem ter mais medo conforme vão ficando mais velhas? Isso parece ser bem natural, visto que ocorre de forma generalizada, mas não é por ser natural que eu não sinta vontade de conhecer a causa. E aqui vai uma pequena amostra da relação de paz armada que mantenho com a televisão…

Uma das observações que pude fazer é que as pessoas, conforme vão envelhecendo, vão vendo mais televisão. Com o passar do tempo, a disposição física diminui e a televisão oferece um passatempo que não exige esforço. Quando se aposentam, por exemplo, algumas pessoas se percebem com muito tempo livre e pouca criatividade para ocupá-lo. A televisão oferece uma forma fácil e rápida de preencher esse vácuo.

Mas qual é o problema?

O problema é o conteúdo exibido na televisão, que bombardeia de tal forma a sua mente que seu inconsciente (já falamos dele) acumula uma quantidade muito grande de informações geradoras de medo. Em pouco tempo, essa é a única coisa em que as pessoas conseguem pensar: seus medos.

E por que estou falando isso?

Para mostrar que, às vezes, basta observar um pouco (veremos mais sobre a observação na próxima família). Pense comigo: quando você diria que a solução para o medo que um aposentado tem de ser assaltado seria andar de bicicleta duas horas por dia? Estranho? Pois não me parece estranho pensar que andar de bicicleta talvez aumente seu vigor físico, proporcionando mais disposição para uma série de atividades, como, por exemplo, auxiliar em trabalhos filantrópicos ou passear com os seus netos.

Ao se envolver em tudo isso, certamente ele verá menos televisão. E vendo menos televisão, verá menos notícias artificialmente selecionadas e manipuladas pelos jornalistas – que ampliam calculadamente a desgraça buscando maior audiência.

E então, talvez esse conjunto de atitudes contribua para diminuir, na mente de nosso senhor aposentado, a predisposição a pensar que toda pessoa na rua é um assaltante.

Neste ponto, os leitores se dividirão em dois grupos: os que não veem valor algum no exemplo acima (talvez por gostarem muito da televisão) e os que passarão a procurar mais atentamente correlações entre as coisas, buscando possíveis causas para problemas do dia a dia no intuito de lidar melhor com eles.

Lembre-se: conhecer para combater.

– Tudo muito interessante, Álvaro, mas acho mesmo é que você fugiu do tema com essa abordagem sobre o medo e esse desnecessário e deselegante ataque à televisão e à classe jornalística…

De fato, toda essa digressão sobre o medo só teve um objetivo: que você não minta para si próprio. O tópico está tratando de prudência e a última coisa que desejo ouvir é você dizer que está agindo com prudência quando, na verdade, está morrendo de medo.

A diferença?

Quando você age com prudência, é você quem controla a situação. Quando age com medo, é ele quem controla.


Próximo Tijolo: Equilíbrio.

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